Há quanto tempo a calmaria inquietava seu coração? Quando foi que o silêncio passou a ser tão incrivelmente assustador quanto um anúncio de guerra? Caminhando pelos corredores daquela casa estupidamente grande, a loira sentia-se sufocada. Faltavam os gritos, o cheiro de bebida e o som de várias vozes desafinada dos bêbados tentando cantarolar uma canção qualquer. O silêncio era perturbador.

Quanto mais sua mente se aquietava, mais memorias indesejadas vinham atormentá-la, era o verdadeiro ditado: mente vazia, oficina de Hokar. Seus pensamentos davam voltas e, por mais que tentasse se distrair, sempre pegava-se pensando no seu irmão, Amian. Ainda não entendia o motivo de sua queda, aliás, havia tantas coisas que não conseguia entender e era justamente isso que a atormentava. Quando seu querido irmão deixou a escuridão preencher seu coração? Aliás, ela se julgava tão próxima do rapaz e mesmo assim não notou a angústia que o consumia ao ponto de corrompê-lo. — Que irmã meia boca. — Resmungava pelos cantos conforme se afastava da casa, da proteção daqueles pequenos muros, da calmaria que a sufocava.

Que merda. — Mesmo que as palavras escapassem de seus lábios em meio a um resmungo, o que ela queria mesmo era gritar, jogar para fora todo aquele sentimento que pesava em seu peito, o desespero de deixar-se levar pelos mesmos sentimentos do irmão mais velho. E se Amian aparecesse chamando-a, o que faria? Aquele pensamento trazia um arrepio que percorria toda sua coluna, fazendo-a estremecer. — Não, nem pensar, de jeito nenhum. — Repreendia aqueles pensamentos, convicta que jamais se deixaria levar e, enquanto travava uma briga interna entre o coração e a mente, algo dourado capturou sua atenção, brilhando em meio a claridade do dia, parecia mesclar-se com a luz solar ganhando ainda mais brilho. — Mas que po… — Iniciou uma corrida tentando acompanhar o feixe dourada tropeçando sem prestar atenção pelo caminho no intuito de não perdê-lo de vista.

Em suas lembranças existiam poucas coisas que podia classificar como belo, mas, ainda que houvesse vivido tempo o suficiente para conhecer as mais lindas coisas existentes em seu mundo, nada se comparava ao planar daquela majestosa criatura, algo tão sublime que ela jamais poderia descrever com exatidão a sensação que aquela visão lhe causou. Seus olhos foram tomados pelo reluzir invejável de suas penas douradas, a graciosidade, imponência e perfeição daquela criatura jamais poderiam ser descritas, era como se suas asas pudessem abraçar o céu e o próprio sol revestisse cada pena de seu corpo. Havia ali muito mais que beleza.

A corrida a levou até a beirada de um pequeno riacho, algumas das árvores tombadas ao redor da criatura dada o tamanho para poder pousar, o rosto encontrava-se escondido embaixo da asa direita levemente erguida e lá bicava como se buscasse por algo até notar a presença da loira. — Ow… — Ergueu ambas as mãos um pouco acima do rosto com as palmas viradas para fora, um ato claro de rendição. — Você não esta meio longe de casa? — A cabeça pendeu levemente para o lado tentando visualizar o que incomodava a criatura, a perna direita levemente flexionada, Elizabeth era doida, mas não o suficiente para ficar cara a cara com um bicho desse e achar que vivariam amiguinhos. Estava pronta para escapar. O animal a encarou longamente soltando um grito que a fez levar as mãos aos ouvidos e então voltou a fuçar entre as penas da asa. — Puta que pariu. — Fez uma careta enfiando os indicadores dentro dos ouvidos coçando-os. — Sei como você se sente amigão, também odeio muita coisa… — Falava como se a criatura a entendesse, notando finalmente o que poderia estar incomodando-a, uma flecha presa em meio as penas douradas, objeto que o animal tentava bicar ferozmente. — Olha, se você prometer não arrancar um dos meus olhos com seu bico… sabe… Mãozinhas pequenas… — E então voltou a erguer as mãos, balançando-as devagar, tentando demonstrar estar desarmada conforme se aproximava, um passo de cada vez. A besta pareceu assumir uma postura de defesa e naquele instante Elizabeth notara que daquele ângulo ele era ainda mais bonito, ficou entre chegar mais perto para ajudar e ser brutalmente pisoteada ou se manter quietinha apenas admirando o grifo, bem, o tédio daquele dia a fez escolher pela primeira opção, parecia muito mais interessante.

Vejam só, que bebê chorão você é… Era só uma flechinha de nada. — Tagarelava em meio ao nervosismo daquela criatura a encarando enquanto alisava as penas no local que havia sido atingido, ela podia perder uma mão ou um braço ali, mas com toda certeza tinha valido a pena.