Não era anormal que Reborn acordasse a noite e fosse fazer qualquer coisa aleatória, mas hoje especificamente o motivo para isso era simples. Sentiu sede foi até a cozinha beber algo, esse simples ato acabou com seu sono e sabendo que custaria alguns minutos para isso voltar caminhou em direção de uma das câmaras da guilda, especificamente a mais agradável por carregar um jardim.

O cavaleiro antes mesmo de pisar no local pôde ouvir a voz do sacerdote, concluindo rapidamente que esse estava em meio a uma oração. Reborn permaneceu em sua caminhada e chegando no jardim viu Hiro de joelhos enquanto falava com o Criador.

O Forge sempre foi indiferente aos deuses, afinal ele vivia o que o cercava. Mas isso estava mudando porque isso finalmente estava fazendo parte de sua realidade, ele lembrava-se das criaturas que apareceram em Era, criaturas diferentes de tudo que tinha visto antes.

Como se não bastasse presenciou a batalha da traição e as coisas que lá apareceram, certamente não eram de Samaria. Estava fresco em sua memória e muitas vezes se repetia toda aquela experiência, assim como o estranho homem que observou os vencedores de longe.

Reborn simplesmente não era mais indiferente, antes que mergulhasse ainda mais em suas memórias, Hiro o chamou para a realidade em um tom de surpresa. O cavaleiro sorriu minimamente aproximando-se do amigo.

- Eu estou bem sim, mas não é como se eu estivesse ouvindo de fato. - o que não era mentira, afinal Reborn acabou sendo engolido pelos próprios pensamentos e por um momento se desligou de tudo que Hiro dizia - Você realmente dedica um bom tempo aos deuses.

Comentando isso, Reborn sentou-se no banco e olhou brevemente para o céu estrelado, sentindo-se estranhamente reflexivo hoje. Suspirou e levou uma mão à cabeça, sentia-se indeciso já que parecia estar sendo arrastado para algo completamente fora de sua realidade.

- Acho que eles estão te ouvindo. - Reborn retomou a fala se ajeitando mais confortavelmente no banco - Eu não te falei ainda de como foi a batalha, não é?

Para Reborn, Hiro era a pessoa ideal para falar a respeito do que presenciou, afinal teve o sentimento de que o sacerdote era quem mais precisava estar naquela guerra, mas infelizmente não foi isso que aconteceu. O importante para o cavaleiro nesse momento era que não estava mais ignorante quanto aos deuses, estava disposto a conhecer mais deles.

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Hiro era realmente alguém ligado aos deuses. Poucas pessoas sem essa fé não iriam se perder em um caminho de sangue em toda Samaria, e era isso que Reborn temia. Manchou suas mãos de sangue tanto na guerra quanto fora dela, foi frio e sabia que precisava ser feito, mas quando saiu para procurar por Amian, estava esperando matar apenas monstros.

- Muitas pessoas poderosas estavam nessa guerra, pessoas com tanto poder que mesmo dezenas de cavaleiros não fariam frente. - ele começou a falar, seria uma longa conversa, como uma história que tinha começo, meio e fim.

Reborn contou sobre o começo da batalha e em como ela se desenrolou, assim como o final era trágico. O cheiro dos cadáveres que ficaram jogados no chão, assim como o clima de luto logo após o grito de vitória.

-Sabe, Hiro. Mesmo sendo de Krieger eu acho que fui muito ignorante quanto a sociedade. Conhecendo Dawhan e voltando para cá eu vejo que esse lugar precisa mudar. - o cavaleiro então olhou para seu amigo - Assim como eu.

Nesse ‘’assim como eu’’ a voz do cavaleiro vacilou por um momento. Seu olhar estava mais tenso, mas ainda assim não o desviou, a quanto tempo não falava sobre si mesmo para alguém?

- Eu descobri que um submundano incendiou as terras de minha família, assim como também descobri que meu irmão se juntou a ordem dos assassinos por causa disso. - o cavaleiro fechou brevemente os olhos falando sobre isso - Eu preciso descobrir o que houve com minha família e então encontrar Amian.

Reborn então relaxou os ombros, era como se um peso saísse deles. O rapaz então continuou a falar sobre seus problemas e como estava lidando com isso, como Hiro disse acabaria sendo uma longa e demorada conversa.

- E então Hiro, tem algum deus que possa resolver esses problemas? - Reborn questionou em um tom mais humorado.

Mas não estava zombando, apenas que não tinha tanto conhecimento a respeito deles. Buscou em sua memória algo a respeito deles e lembrava apenas do que Hiro contou a um ano atrás.

- Ao final da batalha eu pude perceber um estranho homem observando tudo de muito longe. - Reborn deitou a cabeça na palma de sua mão quando citou esse acontecimento, para ele foi algo de outro mundo - Ele era muito alto, por um momento até pensei que tratava-se de um submundano, mas tinha algo diferente nele.

Reborn não havia conseguido falar tudo que vivenciou nos últimos dois anos, mas conseguiu falar de boa parte e isso certamente já o deixaria dormir mais confortavelmente a noite. Além disso queria saber o que Hiro tinha para falar a ele sobre isso.

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Reborn ouvia todas as orientações do amigo, mas deu um sorriso sem graça quando ouviu todos aqueles nomes de deuses. Precisaria de um tempo para decorar todos e por conta disso focou-se mais no primeiro já que esse parecia ser o mais importante. Talvez fosse, talvez não, o cavaleiro ainda não tinha esse conhecimento. Mas antes de começar, optou por responder a pergunta que mais parecia intrigar o sacerdote, se ele tivesse testemunhado isso pessoalmente provavelmente passaria dias e dias falando apenas sobre.

- Posso dizer que ele tranquilamente passa dos dois metros de altura. - começou a descrição - Ele tinha uma barba também e era loiro, parecia muito forte fisicamente.

Reborn continuou descrevendo a figura que viu, falando que a sensação que tinha era de algo bom, mas assustador ao mesmo tempo, sendo realmente difícil explicar do que se tratava. O cavaleiro então refletiu por alguns instantes sobre o que Hiro disse anteriormente, mais especificamente sobre a forma de começar uma oração ao Criador, fazendo o Forge se questionar se além de ter diversos deuses, tinha também diferentes orações. Certamente sua cabeça explodiria antes de decorar metade deles.

- Eu vou tentar. - ele sorriu para o amigo, esperando que esse entendesse que era sobre a oração - Para aquele que tudo cria, peço que minha família esteja bem. Meus pais, minha irmã e meu irmão.

Além de pedir a proteção pela vida de seus entes queridos, Reborn também pediu perdão pelas ações mais precipitadas que tenha tomado. Ainda que internamente estivesse debatendo se de fato havia errado. Quando abriu os olhos novamente, torcia muito para que suas palavras alcançassem esse Deus e que ele trouxesse sua família de volta para ele.

Esse pensamento deixou sua face novamente tensa, o cavaleiro estava realmente preocupado com seus parentes e esperava que os deuses permitissem que ele encontrasse a todos novamente. Estava ansioso para ir atrás deles.

- Cedo ou tarde acabamos tendo que encarar algumas coisas sobre nós mesmo, não é? - o Forge perguntou encarando novamente o sacerdote.

E a conversa prosseguia com Reborn questionando ainda mais coisas sobre esses diversos deuses que os cercavam, assim como também respondendo às perguntas que o Hiro tinha sobre a estranha figura ao final da batalha, o sacerdote estava realmente intrigado quanto ao misterioso homem.

Reborn também estava, mas devido ao seu conhecimento limitado talvez demorasse um pouco para descobrir que se tratava do maior de todos os imortais, Mahoro Trakarhin. Enquanto escutava o que Hiro dizia, começava a questionar bastante sobre a origem desses deuses também, assim como saber se eles ouviram suas orações e se eles de fato eram capazes de realizar qualquer desejo.

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- Horas? - a expressão do cavaleiro indicava que talvez ele não conseguisse ficar todo esse tempo orando. Uma reação natural para quem tão pouco conhecia sobre os deuses e sua importância - Não sei se chegarei até aí, mas me esforçarei.

Hiro novamente falou sobre misericórdia, algo que Reborn não teve do submundano que mentiu ao dizer que queimou sua casa. Sua memória recordava-se do momento que fez um corte limpo e emoções opostas se firmaram no peito do cavaleiro. Ao mesmo tempo que sentiu-se precipitado, acreditava que que o submundano cortejou a própria morte ao seguir firme a uma mentira diante de sua lâmina.

A mente do cavaleiro ficou mais limpa vendo Hiro falar como começava uma oração a Criadora, mas tal assunto ficou engraçado quando começou a falar do que ela gostava, nesse momento o Forge se questionava de onde ele tinha tantas informações.

- Isso tudo está no livro que você disse? - era questionável para o Forge, pois achava que nesse livro continha apenas informações sobre a trajetória dos deuses e dos imortais - Não consigo ver onde se encaixaria esse tipo de assunto.

Hiro então prosseguiu falando sobre um deus chamado Uno, era algo como um deus dos mares que gostava de coisas relacionadas ao mar, algo que era óbvio. Jarros, conchas entre outras coisas. Interessantemente o cavaleiro estava começando a ficar mais interessado e seus comentários descompromissados diminuíram de acordo com  o que ouvia.

- Ser o hospedeiro de um deus deve ser algo incrível. Mas acredito que tenha condições para isso, não é? - isso imediatamente fez o cavaleiro recordasse novamente do que viu em batalha, havia pessoas com um poder que ele nunca viu antes, seria essa a explicação? - E como se chamava essa guardiã? Talvez eu tenha a visto na batalha.

Hiro então contou sobre a próxima deusa, Natura. Explicou sobre como orar para ela e como sua proteção seria vantajosa para a guilda, afinal a guilda era escondida no meio da floresta. O Forge já estava pensando em tentar a oração, mas o sacerdote incentivou que fizessem algumas preparações antes. Rebor ficou curioso, mas o seguiu rapidamente.

- Você certamente sabe o que está fazendo, então vamos. - Reborn concordou com seu típico sorriso no rosto.

O sacerdote começou a caminhar e o cavaleiro foi logo atrás, mas em uma parte do caminho se separaram para juntar os recursos mais rapidamente. Reborn voltou com alguns gravetos e folhas, Hiro voltou com alguns gravetos também, mas com folhas para adicionar a oração. Caminharam mais um pouco e então pararam diante de uma grande árvore.

Ajeitaram os gravetos, as folhas e as flores próximas da árvore e então ele se ajoelhou diante dela. Naquela perspectiva, Reborn enquanto encarava a árvore sentiu-se realmente pequeno e um estranho sentimento se abrigou em seu peito. Ele nunca esperaria que se sentiria pequeno em relação a uma árvore, claramente não estava falando sobre tamanho.

Hiro continuou passando as instruções de como o cavaleiro deveria fazer isso, reforçando coisas que já disse e adicionando uma carga mais emocional ao ato. Reborn entendia o motivo disso, precisava de fé para levar suas palavras aos deuses.

- Obrigado, Hiro. Farei como disse. - ele olhou para o sacerdote sobre os ombros.

Hiro estaria observando ao redor, então o cavaleiro focou-se na árvore que parecia ficar cada vez maior diante dele, puxou o ar lentamente para os pulmões e então soltou o ar enquanto fechava os olhos. Antes de começar a orar usou seus sentidos apurados para sentir o cheiro da natureza que o cercava, assim como tentava ouvir todos os sons que o cercavam naquela noite.

Reborn não fazia ideia de como era Natura, então não se concentrou em imaginar a aparência dela, apenas que estivesse diante dele e precisou de alguns segundos para conseguir isso. As palavras iniciais da oração que Hiro disse anteriormente veio naturalmente em sua mente, Reborn então começou.

- Para a eterna natureza, rogo tua proteção para toda natureza que cerca essa guilda, assim como para aqueles que aqui vivem. - Reborn realmente sentiu-se sozinho quando ficou completamente imerso naquela oração, Hiro havia desaparecido de sua percepção.

Ouvia apenas a natureza o cercando e continuou a oração, insistindo na proteção e prosperidade daquela terra, fazendo questão de também prometer que seria mais cuidadoso quanto à natureza, já que antes não dava tanta bola assim. Passado alguns minutos até a oração terminar, Reborn abriu os olhos e um breve silêncio se fez presente, ele simplesmente não fazia ideia se suas palavras alcançariam a deusa.

Levantou-se e então sentiu o vento passar mais forte por sua face, o fazendo erguer a cabeça e perceber uma única folha de uma árvore planando em sua direção, abriu a palma de sua mão e ela parecia pousar lá como se tivesse consciência própria.

- Hm. - o cavaleiro abriu um pequeno sorriso e só então pareceu voltar ao mundo real, levando o olhar para Hiro - Terminei, Hiro.

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