A brisa da noite percorria o ar livre que cercava a guilda, chegando ao corpo de um cavaleiro empunhando apenas uma lança enquanto mantinha seus olhos fechados, mas não era por acaso. Em sua mente quase como imagens, os movimentos que treinava foram repetidos diversas vezes antes dele empunhar a arma com as duas mãos e colocar-se em posição de combate.

A mão esquerda segurava o cabo mais próximo a lâmina, enquanto a direita agarrava o local mais recuado. Abriu os olhos com um olhar afiado e realizou um movimento de estocada contra o ar e esse som fez bem aos seus ouvidos. Usando o braço direito como base puxou a lança rapidamente e então começou uma sequência desses ataques conforme avançava.

Apesar de golpes decentes, apenas o primeiro deixou uma sensação de orgulho no peito do Forge, apenas um golpe de sorte que não seria garantido em uma batalha real. Conforme praticava Reborn entendia cada vez mais o quanto uma lança era diferente de uma espada, afinal, suas propostas eram diferentes.

Espadas eram ótimas para cortar e estocar, enquanto mesmo uma lança conseguindo cumprir as duas funções, era mais complexo realizar os cortes e tinha como vantagem a média distância que poderia ser mantida contra um alvo. Aprendizados a parte, Reborn aproveitou o bom clima para aproximar-se de alguns amontoados de troncos que arrastou dias atrás para aquele local, obviamente para ajudar no seu treino.

A dias estava fazendo esse treinamento, sendo hoje apenas mais um dia assim. Graças ao seu grande vigor o cavaleiro conseguia passar muito tempo treinando algo, e felizmente ele era paciente para aguentar mesmo os treinos mais chatos quanto golpear alguns troncos mortos.

- Acho que por hoje é isso. - concluiu ofegante, observando os diversos troncos cortados e perfurados a frente. Reborn sentia o suor em seu corpo e queria ir logo tomar um banho.

E como se soubessem que seu treino estava encerrado por hoje, Arissa apareceu avisando sobre uma suposta reunião, apressada não esperou uma resposta antes de sair correndo provavelmente atrás dos outros membros da guilda.

- Ela é bem energética quando quer. - Reborn comentou com um pequeno sorriso no rosto. Uma hora era mais do que o bastante para se lavar e vestir-se novamente.

O cavaleiro olhou mais uma vez para a lança em suas mãos, olhou para o bolo de troncos cortados e perfurados e então ajeitou a lança sobre seu ombro, de forma que pudesse a arremessar. Normalmente ele miraria calmamente, mas sabendo que não teria esse tempo em batalha apressou-se realizando um movimento de arremesso e observou a arma pontiaguda cruzar rapidamente o ar até colidir com os troncos, infelizmente sem ter se fincado em nenhum.

- Uma hora isso vai dar certo. - Reborn não se abateu, apenas deixou a lança jogada lá e começou a caminhar para dentro da sede da guilda.

Tomou seu banho com muita paciência e trocou-se da mesma forma, após isso foi até a câmara principal, tendo em vista que praticamente todos os membros da guilda estavam presentes.

- Eu não sei jogar cartas. - Reborn cruzou os braços e falou rapidamente, mas sabendo que isso poderia matar a animação de Arissa e Hiro, antecipou-se - Mas vocês podem me ensinar.

MAIS:

Lilías estava distraída lendo um pequeno livro quando teve sua atenção tomada por Arissa, a mulher que foi extremamente rápida em avisar sobre uma reunião repentina. Apesar da curiosidade da maga ter sido aguçada, vendo que a reunião só seria iniciada em uma hora focou-se novamente no livro.

De acordo com o que estava lendo, a maga compreendia que para desenvolver a magia, deveria primeiro ser capaz de dominar a mana em seu corpo. Tinha uma pequena noção de como usar a mana, mas nunca se dedicou a realmente entender como ela se comportava.  Esse pensamento fez Lilías focar atenção na palma de sua mão, concentrando a mana nela e mostrando uma fraca aura azulada. De acordo com o que o livro dizia, a magia mais simples servia para reforçar o próprio corpo, com isso em mente ela deixou o pequeno livro em sua cama e procurou algo que se mostrasse pesado.

Seu quarto não tinha muitas coisas ainda, então sua atenção acabou voltando-se novamente para a cama e ela lembrou que Jhony fazia uma cara bem feia enquanto a carregava para o quarto.

- Obrigada. - ela agradeceu ao lembrar-se do humor do anão que havia ruído ao ter feito esse trabalho.

Foi ao pé da cama e concentrou a mana em seus dois braços, ambos ficaram cobertos pela fraca mana azul, Lilías então agarrou a parte inferior da cama e forçou ela para cima a erguendo brevemente, não sentindo nenhuma dificuldade.

- Será que deu certo ou o Jhony que é fraco mesmo? Talvez eu quem seja muita forte também. - e como se o mundo quisesse responder, a fraca mana desapareceu e todo o peso da cama se mostrou, fazendo Lilías a soltar no susto e dar um passo pra trás assustada. O som foi alto e ela agradeceu que o quarto do lado do seu estava vazio - Isso estava no previsto… Só espero que não tenha quebrado a cama.

Ela suspirou aliviada e voltou novamente para a cama. Apesar de não ser um progresso tão grande, Lilías agora tinha uma noção de como a magia funcionava de sua maneira mais simples. O pequeno livro ainda tinha algumas coisas a ensinar e foi nisso que focou os próximos longos minutos de sua atenção.

Passando-se os últimos minutos, Lilías foi a última a chegar na câmara principal e nisso Arissa começou a explicar sobre o jogo que fariam. Inicialmente ficou preocupada, mas quando Reborn mostrou que também não sabia nada desse jogo ficou mais tranquila, afinal não era a única que não sabia de nada.

Mais:

O Forge caminhou até a mesa e se sentou em um espaço vazio também, e apesar de Reborn não fazer ideia de como jogar cartas corretamente, já havia visto seus pais jogando e eles não tiravam o sorriso do rosto e se mostravam sempre confiantes. O cavaleiro ouviu atentamente a explicação e entendeu, ao menos achava que havia compreendido como tudo funcionava.

Assim que recolheu as cartas, sua primeira reação foi um gesto propositalmente animado, segurando as cartas com mais convicção e colocando cinco moedas de prata sobre a mesa.

- Eu estou bem confiante em minha mão, então farei essa aposta mais alta. - o cavaleiro falou alto, mas não deixou a calma escapar em nenhum momento - Espero que estejam confiantes também.

Em um tom mais de provocação, Reborn relaxou as costas sobre o encosto da cadeira, ficando em silêncio enquanto acenava positivamente com a cabeça e mostrava-se ansioso para virarem as cartas. A verdade é que ele sabia que teria de pagar a punição por ter pego cartas horríveis, mas elas não o impedia de ganhar o jogo. Lembrando-se de seus pais, Reborn sentia que poker não era apenas um jogo de sorte, mas mental.

- Estou ansioso para ver quem vai pagar a penitência. - e o cavaleiro voltou a colocar um braço sobre a mesa, passando seu olhar por cada uma das pessoas ao redor dela - O chefe seria incrível.

Ele olhou diretamente para Hiro nesse momento, então desviou o olhar para o ruivo mais fechado, Nathaniel.

- Nathaniel seria algo inusitado. - deu uma breve risada olhando então para aquele de menor proximidade, Ayhan - Você apostou alto também, seria triste pegar cartas não tão boas quanto as minhas, não é?

Os olhos do cavaleiro correram por todas as pessoas sobre a mesa, ainda assim não insistiu com cada um, não queria forçar além do que podia e deixar seu joguinho psicológico óbvio. Então recuou novamente  e levou os olhos para as cartas. O sorriso estava em sua face, mas o desgosto em seu interior por ter tido tanto azar.

Quando Arissa começou a contar uma história, imaginou que ela queria aliviar qualquer tensão de desafio que ele lançou, mas a história não era a melhor pra isso. Pessoas de poder abusando daqueles que não tem. Reborn não queria que seus amigos ficassem refletindo sobre isso, ouviu o que Ayhan falou em seguida e então, ele, Reborn se deu a liberdade para falar um pouco mais sobre si também.

- Quando meu irmão e eu éramos mais jovens, gostávamos de caminhar pelas ruas mais solitárias de Fiorde Orgulhoso. Era sempre meio arriscado, mas a gente se virava. - Reborn levou uma mão ao queixo, tendo um curto sorriso no rosto enquanto se recordava - Certa vez fomos emboscados por ladrão, o coitado ficou furioso porque a gente zombou dele, Amian chutou o saco dele e corremos para casa. Bons tempos.

MAIS:

Lilías percebeu que sobrou apenas uma cadeira ao lado de Reborn para se sentar, então foi até lá lentamente e se sentou ao lado do moreno. Todos pareciam ouvir com atenção a explicação que Arissa dava sobre o jogo, isso incluía a azulada. As cartas foram distribuídas e ela ficou satisfeita com a mão que pegou.

- ‘’Será que eu posso vencer?’’ - o pensamento foi então atropelado com os comentários de Ayhan, mas o que a marcou e acabou com sua confiança foi as declarações que o cavaleiro começou a dar.

Receosa, Lilás ouviu mais atentamente o que o Forge dizia, a confiança que ele esbanjava a fez ficar ainda mais insegura em apostar nas cartas que tinha em mãos, mas ela recuperou um pouco a vontade de jogar pensando que poderia ter a segunda melhor mão.

- Eu vou arriscar. - declarou enchendo um dos muitos copos que havia na mesa com a bebida, dando um gole antes buscando ficar mais destemida dessa forma. Além disso, não era como se fosse perder muito dinheiro essa noite.

Algo que deixou o ambiente mais agradável para Lilías, foi ver o pessoal começando a compartilhar suas memórias mais antigas, falando mais sobre o passado que carregavam e as pessoas que estavam se reunindo naquele lugar.

Apesar de acabar não falando tanto, estava gostando de escutar e depositou o restante de sua atenção nisso. Era uma boa oportunidade para conhecer mais de cada uma daquelas pessoas, pessoas que acabariam fazendo parte do seu dia a dia.