Era, um momento de frio em Aronian assim como boa parte do ano. A chuva costumeira lembrava todos os dias daquela presença constante de um deus em suas terras, e se aquilo era uma honra ou um fardo para seus moradores… bem, não importava. Por acaso alguém iria fugir para um continente que sequer sabe que existe? Ou para um lugar que literalmente é uma mentira viva, absorvendo tudo de bom que Aronian deveria ter, e deixando para trás pessoas boas que não merecem aquele destino em favor ao prazer próprio?

Um aroniano jamais abandonaria sua casa, e para alguns era uma honra sobreviver em tempos de glória.

Crianças brincavam no meio de um salão que aparentemente fora destinado a isso; corriam, gritavam, agiam como pequenas pestes que eram, principalmente as corrompidas. Os nobres juntavam seus filhos para que Hokar se agradasse em meio aos seus velozes passos no meio do pega a pega com taco.

Aquela brincadeira… diferente havia sido introduzida pelo próprio deus. Afinal, um adulto corrompido que não sente dor, sono, fome, e frio é alguém que vai além do normal em suas atividade; uma criança, por outro lado, é extremamente energizada e literalmente imparável. Parecia uma boa ideia usar tacos para acertar de longe as pessoas pegas, gastando toda essa vontade de movimento e atividade.

Por mais que parecesse algo que o menino Hokar gostaria de fazer, ele era alguém que nunca estava com o taco em mãos. Sua agilidade invejável e sua manipulação corporal superior a de um bestial impedia que acertos fossem conectados em seu corpo, mesmo ele parecendo querer ser um alvo ao provocar seus amigos.

Entre crianças com taco e sem taco, existiam algumas que ficavam mais longe da brincadeira perigosa: os aronianos, afastados pela sua inabilidade de tornarem-se anestesiados. E por que não reuni-las com as outras? Provavelmente era a ideia de Hokar quando se aproximou do grupo, já sendo alvejado por aqueles bastões. Inevitavelmente, um acertou diretamente na perna de um dos aronianos.

A brincadeira parou com o susto e as lágrimas.

Porém não foi o pai ou a mãe que se aproximou da criança, e sim a divindade. Colocando a mão acima do ombro do menino, aproximou sua cabeça de seu ouvido e sussurrou.

"Você vai deixar com que aquele loirinho te acerte sem revidar?"

As lágrimas mudaram seu percurso enquanto a face mudou seu formato, transcendendo da tristeza para mágoa, e dela para o ódio. Pegando a arma com as mãos, Hokar ofereceu diretamente para a vítima sua vingança e, com o ímpeto assassino que somente um infante poderia despender, os passos raivosos seguiram até o corrompido sem reação. O golpe veio acompanhado de um som obtuso, virando seu rosto com sangue e arrancando um de seus dentes de leite.

Os pais se ergueram, mas a guarda interviu. A vontade de Hokar não poderia ser rebatida. O que era um caso de violência se espalhou como uma fagulha no meio de pólvora, e ver sangue parecia ser um gatilho fácil para que os corrompidos agissem de maneira extrema. De arremessos para golpes, de acertos para contusões, de pais preocupados para apostadores de luta. Hokar colocou a mão nas calças trazidas de Infernia, encontrando em seus bolsos uma adaga de aspergo.

Era hora de ter um pouco de diversão.

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+ Era, 329 ER