O Sol escaldante do deserto não intimidava o funcionamento do grande mercado público. Ao caminhar pelas movimentadas ruas de Kush, era possível ver uma agitação constante. O cheiro de especiarias e frutas frescas permeava o ar, enquanto comerciantes habilidosos gritavam para atrair a atenção dos clientes. Os estandes de madeira e as barracas de tecido colorido se misturavam, exibindo uma variedade de produtos para venda. Nas barracas, pacotes de grãos eram empilhados ao lado de cestas de frutas e legumes frescos. Os vendedores de cerâmica exibiam seus produtos artesanais, que variavam desde jarros até estatuetas finamente trabalhadas. O papiro, tão valorizado pelo Egito antigo, era vendido em folhas, enquanto os tecidos de linho exibiam uma variedade de cores e texturas. Os clientes examinavam cuidadosamente cada item antes de decidir comprar. A negociação acontecia através da troca de mercadorias, ou, às vezes, com a utilização de moedas que tinham um tilintar característico, fácil de distinguir; o som do dinheiro era música.

Camuflado em toda a multidão um homem corpulento evitava os transeuntes que iam e vinham. Um pesado manto desgastado ostentava furos e rasgos nas extremidades cobriam seu corpo, escondendo a armadura de couro que protegia seu rosto, igualmente efeito dava-se à sua velha espada guardada em uma bainha amarrada na cintura, apenas seus pés calçados por sandálias de tiras altas estavam disponíveis aos curiosos, assim como seu rosto que era quase completamente coberto pelo capuz da vestimenta. Seus passos eram calmos, decididos e pesados e o levaram até uma antiga taberna que outrora frequentara. A pesada porta de madeira rangia anunciando sua entrada.
O lugar tinha um cheiro forte de incenso misturado com cerveja fermentada e proteínas assadas, mesclando-se num forte e confortável aroma. A luz fraca das tochas penduradas nas paredes de pedra oferecia um ambiente íntimo e acolhedor, fazendo com que os visitantes se sentissem como se estivessem entrando num mundo à parte. O balcão de madeira era o ponto focal da taberna, onde os haviam alguns homens reunidos enquanto tomavam suas bebidas em grandes copos de barro. O homem encapuzado acomodou-se ao lado sem fazer alarde, apenas se dirigindo ao taberneiro.

— O que... consigo comer e beber com isso? — Disse a grave voz. Ele punha no balcão dois sanários de prata que foram empurrados com os dedos.
— Com isso aqui? HÁ! Posso te conseguir um prato de comida quente e uma caneca de cerveja.
— É muito mais do que esperava, eu agradeço. — A voz do homem era poderosa, ainda que calma e pesada como quem lamentasse algo ou alguma coisa.
Grandes colheradas eram dadas no prato de vegetais cozidos com um pouco de caldo, o homem parecia faminto, o que chamou a atenção do taberneiro após alguns momentos.
— Tempos difíceis, amigo?
— O que disse? — Perguntou após uma grande golada na cerveja.
— Está comendo parecendo que não vê comida há uma semana, HAHAHAH. — Brincou. — Como você se chama?
Finalmente o rosto do andarilho fora revelado após puxar seu capuz para trás. Seu rosto é angular, com maçãs do rosto proeminentes e mandíbula forte, com uma expressão intensa e decidida. Seus olhos são penetrantes e destemidos, com sobrancelhas arqueadas e um olhar firme que transmite sua vontade de lutar para sobreviver.
— HAHAH, nunca foram fáceis, amigo. Eu me chamo Hobbro. — Respondeu. Deu mais uma colherada antes de limpar sua boca com as costas da sua mão direita. — Venho trabalhando muito, não tenho mais prazeres na vida a não ser o ouro e mulheres.
— Boas escolhas, meu rapaz, muito bem dito. E o que você faz?

Por um breve instante os olhos de Hobbro encontraram o do taberneiro, seus brilhos se cruzaram e ele apenas respondeu “Tudo”. Não queria intimidá-lo, tampouco criar inimizades, mas ficou claro que ali estava um homem que seria capaz de fazer qualquer coisa por alguns Sanários de ouro. A conversa encerrou-se por ali, ainda que fosse servido mais um prato de comida para Hobbro e sua caneca fosse completada por mais cerveja – talvez ele tivesse caído nas boas graças do taberneiro. Contudo, sua refeição fora interrompida por um homem magro que gentilmente tocava em seu braço a fim de chamar-lhe atenção. Hobbro virou-se de testa franzida, encarou de cima a baixo quem estava ali e notou um homem alto, de cabelos perfeitamente penteados para o lado, possuía um semblante disfarçadamente calmo, ainda que pudesse notar alguma angustia em seu olhar.

— Senhor? O senhor disse que... Trabalha por dinheiro, certo? — Hobbro examinara mais uma vez que lhe falava. Em Kush, era quase de certo que as vestimentas falavam tudo o que precisava-se saber sobre a pessoa e ali não era diferente: Possuía uma vestimenta muito distinta do ambiente, composta por uma túnica branca elaborada de seda e algodão que iam até o tornozelo, ostentando detalhes dourados e colarinho que era uma faixa larga e ornamentada que se estendia por todo o peito.
— É, trabalho sim. — Respondeu após sua análise. “Provavelmente tem grana para gastar”, era o que tinha na cabeça. O homem tinha a atenção de Hobbro que virou-se para ele enquanto apoiava um braço no balcão. — Estou ouvindo... — Um sorriso cínico era formado por detrás da caneca de cerveja que bebericava.
— Bem, eu tive meus pertences tomados por bandidos enquanto vinha para Kush. Possuo coisas valiosas, posso te recompensar com ouro!
Hobbro pareceu pensativo por um momento, ouviu com atenção a breve história de como tudo ocorreu e não parecia ser algo difícil de lidar. Talvez se o homem possuísse alguns guardas isso tudo poderia ter sido evitado. Um aperto de mão selava o acordo entre contratante e mercenário.

— Isso parece fácil de resolver. Pode deixar, eu vou recuperar suas coisas, Sacerdote.
O mercenário secou a caneca de barro em duas grandes goladas e estava pronto para sair. Mas nem tudo há de ser simples em Kush. Um outro homem alto, corpulento e de aparência tenaz fez-se presente ao vir na direção da dupla que acabara de firmar o acordo.
— Por que pensa que é melhor do que “os da casa”, amigo? Eu estou o dia inteiro esperando um trabalho. Tenho mais direitos do que você!
Existiam momentos em que a força bruta não poderia dar conta de resolver a situação e essa era uma delas. Atrás do bárbaro haviam outros homens que encaravam a situação com olhares insatisfeitos, talvez prontos para defender o seu companheiro caso precisasse. Hobbro precisava queria aquele trabalho e o grandalhão também, não poderia demonstrar fraqueza – tampouco era de seu costume. Há momentos em que um guerreiro precisa lutar usando a cabeça.

— Ho! Calma, amigo, eu não quero confusão. Não sabia que tinha uma fila de espera para trabalhar.
O homem enfureceu-se um pouco mais, rosnando e franzindo ainda mais a testa. Parecia que iria atacar Hobbro a qualquer momento com seu grande machado de duas mãos preso em suas costas.

— A julgar pela arma, eu não teria chances... — Refletiu por alguns segundos ao lembrar da situação da sua velha espada. — Vamos beber um pouco e conversar sobre essa situação.
Nada como acalmar os ânimos oferecendo bebida de graça. Principalmente a outro mercenário que estava disposto a ir até as últimas para tirar Hobbro da jogada. Para o sacerdote, tanto fazia quem iria executar a tarefa, contanto que ela fosse executada. E assim, o taberneiro trouxe-lhe mais duas canecas de cervejas logo após Hobbro indicar que o seu contratante iria pagar.
Ele possuía consigo um pequeno frasco com veneno de Toruga, tentaria por algumas gotas na caneca do outro pouco antes de entregar-lhe. Faria isso ao se virar completamente para o balcão, fazendo seu corpo e manto encobrir a cena que deveria ser rápida. Talvez o taberneiro notasse, talvez não, mas teria de arriscar.
— O ouro está por toda Kush, meu amigo. Vamos beber, ir matar uns bandidos e conseguir um pouco, uh? Trabalhando juntos, vamos terminar mais rápido. — Ofereceria a caneca envenenada para o outro com um sorriso gentil e olhar determinado.

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